San Francisco Rock Experience



O PESADELO CHARLES MANSON '69

Quando o mundo testemuhou a vibração positiva emanada da multidão de 500 mil pessoas no Woodstock Music & Art Fair, realizado na fazenda Max Yasgur, em Bethel, New York, em agosto, de 1969, não imaginava que uma semana após o acolhedor evento, uma série de bárbaros assasinatos abalaria os Estados Unidos. Cinco mortes nas colinas de Beverly Hills e mais duas no bairro de Los Feliz, em Los Angeles, foram as primeiras pás de terra que sepultariam definitivamente os anos 60. Por trás do massacre estava aquele que representava a face mais obscura do movimento hippie, Charles Manson. Seus seguidores chamados de "Família" eram os executores que jogariam uma névoa sombria sobre os ideais de paz, amor e fraternidade da geração flower power.

O Embrião


Nascido em 12 de novembro, de 1934, em Cincinnati, Ohio, Charles Milles Manson, filho de uma prostituta alcoólatra, Kathlee Maddox, que o teve aos 15 anos no Hospital Geral de Cincinnati, nunca conheceu o pai. Charles foi abandonado pela mãe, que quando não estava presa, podia ser vista drogada e fazendo programas. Conta-se que ela chegou a vendê-lo num bar em troca de uma dose de bebida. O menino passou a maior parte do tempo com a avó e posteriormente foi morar os tios. Segundo Charles, o tio foi responsável pelos espancamentos e o abuso sexual que sofria na infância.
Ainda bem jovem, Charles começou a cometer delitos e foi enviado para um reformatório. Após sair continuou a roubar. Passou por muitas instituições onde uma avaliação psiquiátrica constatou que, por trás das mentiras, existia um garoto extremamante sensível que não tinha recebido afeto suficiente. Os testes também confirmaram seu QI acima da média. Aos 17 anos, sodomizou um garoto usando uma faca. Foi transferido para uma instituição mais rígida onde continuou a praticar abusos contra outros homens. Aos 19 anos, melhorou seu comportamento. Foi alfabetizado na prisão e libertado em seguida. Chegou a casar e ter um filho, Charles Manson Jr. Trabalhava em sub-emprtegos e com o baixo salário que recebia, incrementou sua renda roubando carros. Foi preso novamente e sua esposa o abandonou definitivamente. Mais três anos de cadeia e Charles saiu para virar cafetão nas ruas. Foi preso novamente após dar um golpe financeiro em uma mulher, drogar e estuprar a colega de quarto dela.
Já com 26 anos, era um eficiente manipulador e mergulhou fundo no budismo e na cientologia, filosofias pouco conhecidas até então. Os Beatles eram uma obsessão e o violão, um companheiro inseparável. Começou a escrever músicas acreditando que um dia seria um rock star reconhecido. Aos 32 anos, ganhou a liberdade, mas insistiu em permanecer preso. Pois acreditava que não conseguiria viver do lado de fora. Manson havia passado mais da metadae da vida confinado. Ele ganhou a liberdade em 1966, ano em que a América estava tempestuosa e o movimento hippie desabrochava para varrer o mundo nos anos seguintes. Eram os tempos das intensas divisões nos Estados Unidos, direitos civis, racismo e Guerra do Vietnam, que culminariam nos protestos violentos que atingiriam gravemente diversas cidades americanas dois anos depois, em 1968.
Manson ainda jovem e preso, (1956)
Estranho em uma terra estranha
Em 1967, San Francisco era a meca do movimento hippie, e a localidade de Haight Ashbury, a capital da psicodelia americana. Um terreno fértil para Manson estabeler sua base inicial e recrutar jovens que deixaram suas famílias em busca do sonho de uma sociedade mais justa e focada no coletivo. A maioria meninas eram perturbadas influenciadas pelo consumo compulsório de LSD imposto por Manson.
Em Haight Ashbury, Manson alugou um apartamento no número 636 da Cole St com as primeiras seguidoras: Mary Brunner, Lynette “Squeaky” Fromme e posteriormente, sua mais maléfica súdita, Susan Atkins. Lá, ele se estabeleceu como guru pregando o abandono e qualquer vínculo com o passado, determinando inclusive que seus seguidores adotassem novos nomes.
Manson explorou como ninguém a subcultura hippie da época. Com seus seguidores outsiders na palma das mãos, ele reformulou a sua maneira os ideias da contracultura regada a LSD, música e amor livre. Montou sua estratégia assassina da forma mais demoníaca e sedutora possível. O grupo, agora chamado de Família Manson, se sustentava através de roubos, performances musicais nas ruas, mendigando e vasculhando latas de lixo atrás de comida fora da validade que era descatada por estabelecimentos.
Manson foi um visionário que percebeu antecipadamente o declínio gradativo que Haight Ashbury conheceria nos próximos anos. Adquiriu um ônibus escolar que reformou e seguiu pela estrada com os fanáticos seguidores descendo em direção ao sul da Califórnia.
Jovens hiipies em Haight St, (1967)


Prédio onde Manson residiu, (2015)
O Segundo verão


Spahn Ranch, (anos 60)
Dennis Wilson com o amigo Manson, (1968)
No verão de 1968, o grupo já estava vivendo em Southern California, no Spahn Ranch, nos arredores de Los Angeles. O rancho era uma propriedade rural de 500 acres que serviu de cenário para antigos filmes de faroeste, na década de 50. A permanêcnia gratuita era garantida através dos serviços sexuais e tarefas domésticas prestados pela seguidora Lynette “Squeaky” Fromme, ao dono do rancho, George Spahn, quase cego e com 80 anos.
Foi neste ano, que os Beatles lançaram o clássico White Album, que foi uma enorme influência para Manson. Com a determinação de ingressar no meio artístico de Hollywood, Manson forjou uma relação de amizade com Dennis Wilson, baterista e fundador dos Beach Boys.
O contato com Wilson ocorreu de forma inusitada. Certa vez, Wilson estava dirigindo por Malibu quando notou duas jovens pedindo carona, Patricia Krenwinkel e Ella Jo Bailey. Ambas eram membros da Família Manson. Wilson parou seu carro e deixou as duas no destino desejado. Mais tarde, o músico se deparou com as duas pedindo novamente carona, e desta vez as levou para sua casa em 14400 Sunset Blvd. Wilson tinha compromissos de gravações e deixou a casa. Às 3 da madrugada, ao retornar para a sua residência depois das gravações, se deparou com o estranho Charles Manson na entrada da garagem. Quando entrou na casa encontrou 12 pessoas ocupando o local, a maioria mulheres. A partir daí, Wilson ficou fascinado por Manson e suas seguidoras. A Família Manson passou a viver com o Beach Boy durante um tempo. A casa na Sunset Bldv passou a ser palco de orgias e festas intermináveis.
Em 1968, Dennis Wilson chegou a revelar em entrevista: "Eu cheguei a contar a elas (as seguidoras) sobre meu envolvimento com Maharishi e elas me falaram que também tinham um guru, um cara chamado Charlie, que recentemente tinha saído da prisão depois de 12 anos. Ele flertava com o crime, mas quando o encontrei, descobri que ele tinha grandes ideias musicais. Ele era estúpido de algum modo, mas eu aceitei a aproximação dele."
Em seu livro, o best-seller, Helter Skelter, de 1974, o promotor do caso Tate/Labianca, Vincent Bugliosi, revelou que durante as investigações procurou a opinião de um conhecedor profundo de música que escutou as fitas com as composições de Manson. O parecer foi: "Manson alcançou um bom ritmo com a guitarra. Não há nada de original na música, mas as letras são diferentes. Contêm uma quantidade surpreendente de hostilidade, o que é raro nesse tipo de música."
Em sua insanidade, Charles Manson acreditava que Wilson seria um trampolim para alavancar sua carreira como músico. Impressionado pelas composições e o suposto talento de Manson, Wilson apresentou o guru a alguns amigos da cena musical, entre eles Terry Melcher, filho da atriz Doris Day, e que residia numa cinematográfica casa em 10050 Cielo Dr, nas colinas de Beverly Hills.
Terry Melcher rejeitou qualquer projeto, tanto musical quanto sobre um documentário baseado na comunidade hippie envolvendo a Família Manson. O produtor havia testemunhado agressões durante uma visita ao Spahn Ranch. Pouco depois, Melcher sublocou a mansão para o casal Roman Polanski e a atriz Sharon Tate. Melcher foi uma das testemunhas de acusação que ficaria mais aterrorizada durante o julgamento da Família Manson.
Em sua paranóia, Manson acusou os Beach Boys de terem gravado uma música sua chamada Cease To Exist, que reformulada foi titulada como Never Learn Not to Love e lançada como single B-side do album 20/20, dos Beach Boys.


Melcher assustado, (1969)
Capa do album 20/20 dos Beach Boys

A música Helter Skelter, dos Beatles, causou uma fixação paranóica e crescente em Manson. Durante os depoimentos colhidos com os membros da Família Manson, vários seguidores relataram que o guru citava a música repetidamente. Manson via Helter Skelter como o prenúncio de uma guerra apocalíptica que culminaria num confronto mundial entre brancos e negros.
O plano de Manson era manter-se refugiado do conflito racial com seus súditos no Vale da Morte, no deserto da Califórnia. Desta forma, seriam os únicos sobreviventes brancos da guerra. Após a catástrofe, com a vitória dos negros, mas impossibilitados de se organizarem, Manson surgiria como um líder.
Manson ensinou e treinou seus seguidores, muitos com menos de 20 anos, com o chamado creepy crawls (rastreamentos assustadores), uma forma de invadir residências vestidos de roupas escuras sem chamar a atenção durante a noite. O objetivo era cometer pequenos roubos e no final, confundir os residentes alterando a posição dos móveis e objetos da casa por pura diversão. As orgias, música e o consumo de drogas eram a rotina no rancho.
A Fixação
Polêmico White Album dos Beatles
Casal Polanski e Tate, (1969)
Em 9 de agosto de 1969, Manson ordenou que Charles "Tex" Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Linda Kasabian, jovens entre 20 e 23 anos, invadissem a ex-residência de Terry Melcher e matassem todos.
Por volta da meia noite, Sharon Tate, grávida de oito meses; Jay Sebring, o cabeleireiro das celebridades de Hollywood; a milionária socialite, Abigail Folger; seu namorado, o playboy polonês, Wojciech Frykowski e o jovem Steven Parent, que estava apenas visitando o caseiro, foram brutalmente assasinados a golpes de faca e tiros. Estavam no lugar errado na hora errada.
Quando o polonês Frykowski perguntou quem era e o que queria, Watson respondeu "Eu sou o diabo e vim aqui fazer coisas do demônio". Apesar de Tate implorar a Susan Atkins para que poupasse o bebê, a mesma esfaqueou a atriz até a morte. Em seu depoimento, deixou as autoridades policiais estarrecidas ao revelar que durante as facadas na barriga de Tate, teve a mesma sensação de um orgasmo.
O sangue de Tate foi usado por Susan Atkins para escrever a palavra Pigs na porta da casa. Porcos era a expressão pejorativa usada pelos grupos radicais para policiais e membros do establishment, o que sugeria um atentado de cunho político. O objetivo era produzir falsas pistas incriminando o movimento Pantera Negras pelos crimes, iniciando um conflito racial na América.
O cineasta Roman Polanski, marido de Tate, estava filmando em Londres e ficou transtornado com a morte incompreensível da mulher e do futuro filho.




Corpo de Tate e Sebring na Cielo Dr, (1969)
Policiais retiram os corpos da mansão, (1969)
Palavra Pig com sangue na porta, (1969)
Na noite seguinte, outro grupo de seguidores, se dirigiu para o bairro de Los Feliz. O casal Leno Labianca, empresário do ramo de supermercados, e sua esposa Rosemary, dormiam em casa na 3301 Waverly Dr quando, de noite, a residência foi invadida por Manson e Tex Watson.
Os dois amarraram e amordaçaram o casal e anunciaram um assalto. Após levarem dinheiro e alguns pertences, Manson retornou para o carro e ordenou que outros integrantes, Patricia Krenwinkel e Leslie Van Houten entrassem na casa e ajudassem Watson a matar o casal, enquanto ele voltava para a cidade com mais dois de seus seguidores que aguardavam no carro, Linda Kasabian e Steve Grogan.
Após o massacre, com sangue de Leno, os assassinos escreveram na parede da sala de estar os slogans Death to Pigs e Rise (Mortes aos Porcos e Levantem-se). O sangue de Leno também foi usado para escrever na geladeira Helter Skelter. Piggies e Helter Skelter eram títulos de duas canções do White Album, dos Beatles. Um garfo ficou cravado no corpo de Leno, o objeto foi utilizado para escrever a palavra War na barriga da vítima. Rosemary foi igualmente assassinada à facadas.
Após os assassinatos, o grupo ainda permaneceu na casa brincando com os cachorros do casal, fazendo um lanche e tomando banho para se livrarem do sangue produzido pelas facadas. Começava aí o pesadelo americano. O índice de vendas de armas disparou em Los Angeles e um frenezi tomou conta de Hollywood, já que qualquer um podia ser a próxima vítima.



Policial em Waverly Dr, (1969)
Corpo de Leno Labianca, (1969)
Helter Skelter escrito com sangue na geladeira, (1969)
Em julho daquele 1969, antes mesmo dos casos Tate/Labianca, o professor de música Gary Hinman já tinha sido morto a facadas por membros da Família Manson.
Manson, o líder da seita, tinha ficado sabendo que o professor teria herdado U$ 20.000 e enviou os seguidores Bobby Beausoleil, Susan Atkins e Mary Brunner para convencer o músico a se juntar à Família. Fariam então Hinman lhes dar dinheiro e dois carros. Beausoleil confirmou que a visita também tinha como propósito cobrar Hinman, que havia lhe vendido uma mescalina de baixa qualidade. Beausoleil queria seu dinheiro de volta. A cobrança e negociação duraram três dias e teve a interferência de Manson, que chegou a cortar a orelha de Hinman com uma espada durante uma das visitas ameaçadoras.
O suplício e o impasse terminaram em 27 de julho, quando, Manson ordenou que Beausoleil matasse o professor. Hinman foi morto com duas facadas desferidas no peito por Beausoleil enquanto Atkins e Brunner cobriam o seu rosto com travesseiros.
Após o crime, escreveram Political Pig (Porco Político) na parede da casa com o sangue da vítima. Os assassinos também rabiscaram com sangue a marca de uma pata de pantera na parede para simular que o crime foi cometido pelos Panteras Negras. Inicialmente, a polícia erroneamente também não relacionou esta morte aos crimes posteriores Tate/Labianca.
Gary Hinman



Cena do crime Hinman, (1969)
Bobby Beausoleil
Manson (dir) preso no Spahn Ranch, (1969)


Atkins encara Manson no tribunal, (1970)
Em 16 de agosto de 1969, Charles Manson e 26 seguidores foram presos após uma batida policial no Spahn Ranch, ainda sob a acusação de roubo de veículos. Uma série de investidas contra o grupo foi deflagrada.
Em 10 de Outubro de 1969, Manson foi preso no seu último esconderijo, no Baker Ranch, uma proriedade no Death Valley. Após esta detenção, ele foi enviado para a prisão em Independence.
Com uma conturbada investigação policial, cheia de erros, onde a polícia chegou a tratar separadamente os dois casos, não acreditando que teriam alguma relação, a solução dos crimes se tornava difícil.
Os assassinatos começaram a ser desvendados após uma confissão detalhada dos assassinatos Tate/Labianca feita por Susan Atikns para outra detenta, quando estava detida após o roubo de carros. Susan chegou a revelar para a companheira de cela que a na lista da morte ainda constavam celebridades que seriam alvos da Família Manson: Elizabeth Taylor, Richard Burton, Tom Jones, Steve McQueen e Frank Sinatra.
O cerco foi se fechando com o avançar das investigações e principalmente pelo empenho insano do promotor Vincent Bugliosi.
Enquanto parte da Família Manson estava presa, uma enxurrada de cenas bizarras, dignas dos piores filmes de terror, foram protagonizadas pelos envolvidos. Jovens seguidoras rasparam suas cabeças e faziam vigília ajoelhadas na calçada em frente ao Hall of Justice, em Downtown, Los Angeles. Membros da Família Manson permaneciam em frente ao prédio onde os réus eram mantidos sob custódia durante o longo processo de julgamento dos acusados. Posavam para fotos e provocavam a imprensa.



Manson alegou inocência. Articulado, disse que suas mãos não cometeram nenhum dos assassinatos. Mas foi considerado culpado com os seguidores Susan Atkins, Patricia Krenwinkel, Leslie Van Houten e Charles "Tex" Watson.
Entre março e abril de 1971, Charles Manson e os outros reús foram condenados à pena de morte pelos crimes Tate/Labianca.
Em fevereiro de 1972, a Suprema Corte da California declarou a pena de morte inconstitucional e todas as condenações da Família Manson foram automaticamente convertidas em prisão perpétua.
Leslie Van Houten e Patricia Krenwinkel atualmente cumprem prisão perpétua na California Instituition For Women, em Chino, California. Charles Tex Watson cumpre pena atualmente em Mule Creek State Priso, em Ione, California. Susan Atkins cumpria prisão perpétua no Central California Women's Facility, em Chowchilla, California, até falecer de causas naturais em 24 de setembro de 2009. Susan sofria com um câncer no cérebro e já tinha tido uma perna amputada. Charles Manson cumpre hoje sua pena em Corcoran State Prison, na California.


O veredito
Membros da Família Manson em vigília, (1970)
Tex Watson preso no Hall of Justice, (1970)
Atkins, Krenwinkel e Van Houten presas, (1970)
Promotor Bugliosi concede entrevista, (1970)
Mansom conduzido para a prisão, (1970)
